terça-feira, 28 de abril de 2009

O Inspetor do Maiador

O INSPETOR DO MAIADOR.
(Pelo centenário de meu avô, José Nery Lopes)
Jorge Nery
100 anos de vida, sonhos, lutas e alegrias. Um horizonte sempre aberto... veja as nuvens no céu... Lá vem trovoada, e esta será espiciá... Nunca ficar com o olhar fixo no chão, vendo a terra seca e sedenta, fazer poeira junto a peles e ossos ressequidos, mas levantar as vistas cheias de esperança, animados e animadas a não desistir, seguir em frente, preparar a terra pra plantar... semente nova, novos frutos. Que segredos trazem a longevidade? Que segredos este matuto tem pra vencer o tempo, dilatando assim seus dias? Quanta estória contou pra se livrar da morte ou enganar o capeta... uma vida nas encruziadas, palmilhada devagarzinho, pra não espantar a sorte, num tanger o anjo da guarda. Vida assim feita nas espreitas e nas frestas, pra não se esbarrar com a morte.
Pense um matuto metido a inspetor, a caçador, a fazendeiro criador de gado e de muitos fio, uma cria a cada outono, a véia Otávia, coitada, era que se via com as invenção deste Véio. Há dez anos atrás ela ainda fazia companhia, ora nos carinho, ora nas mardição... os dois era unha e carne, cada um no seu quarto, nas suas rezas. Ela rezando o ofício, ele ouvindo o gol do Bahia, ao pé da orea num raidinho de pilha. De manhã bem cedinho, o veio acordava pra tirar leite, finarzinho da tarde depois de cuidar da roça, deitava na varanda, feito São Francisco, rodeado de bicho, era engraçado ver os pintos ciscar nos pelos de seu peito. Um sapê pra cheirar, um cigarro de rolo pra pitar... e uns versos de cordel pra distrair, alem dos causos que na sua boca se enchia e transbordava. Aquela do gramuião,do dito cujo, do imundo, do capiroto , daquele que não se pode falar nome, que se apresentou em forma de bode preto, no meio da sala numa destas reunião de compadre a meia-noite, há muito tempo atrás. Quem manda fazer troça do coisa ruim, ele num leva desaforo pros quinto, arranja um jeito de dá o troco. Pois é, inté Lampião não se abestaiou de vir pra estas bandas, afinal o inspetor Zeca, organizava a jagunçada pra enfrentá-lo. Mas dizem que depois da morte do Virgulino, vulgo, Lampião... no inferno não baixou e no céu não chegou, só pode está no sertão...mais não se arriscou de bandear pro lado de cá, por certo ouviu a fama de Zeca inspetor, homem destemido e caçador. O tempo passou, passou e o véio viu, os fio crescer, dar frutos, os netos crescer dar mais frutos e inté os bisnetos, oxe até neto em Nova York o veio se fez representar, Obama que se cuide. Vixe a árvore ficou grande, cumprindo o destino que Deus traçou, ainda rindo dele achou tempo pra fazer festa pra uma centúria de anos, desafiando aquele que um dia andou dizendo que o rastro dele ia ser curto... pois prepare mais cem, que vou estar esperando

Teologia Pública e Cidades

Teologia Pública e Cidades

Jorge Nery[1]



“A teologia pública é a política pensada teologicamente e a teologia na abordagem política; por outro lado, também é a cultura num aspecto teológico e a teologia sob o aspecto cultural. Ou seja, a teologia dialoga com a igreja e a igreja dialoga com a teologia. Porém o futuro da igreja e da teologia é o Reino de Deus, e isso tem de ser centro de tudo.”

Jürgen Moltmann



Em novembro de 2008, pela segunda vez no Brasil, esteve o teólogo alemão Jürgen Moltmann, 82 anos, além de honrarias, como o título Doutor Honoris Causa, concedido pela UMESP, ele também lançou o livro, Testamento teológico para América Latina. Conhecido no mundo acadêmico por sua fértil e brilhante produção teológica a exemplo de sua obra Teologia da Esperança, publicado em 1964, onde preconiza que é necessário aplicar a esperança não somente na eternidade, mas exercitá-la para que cause efeitos nos dias de hoje, Moltmann lembra que “a maioria dos cristãos está aguardando o céu, e não uma nova terra, de onde brota a justiça” [2].

Suas considerações indicam que uma igreja desconectada do cotidiano não tem futuro, só passado. Sua teologia brota de suas experiências como prisioneiro na segunda guerra mundial, entre 1945 e 1948 onde fora integrante da Força Aérea Alemã, sendo, capturado pelas forças aliadas e mantido preso na Bélgica e na Inglaterra. “Foi quando clamei, diz ele: Meu Deus onde estás?. Desde então fui perseguido pela pergunta básica acerca do porquê de estar vivo e de qual o sentido de minha existência”. Numa obra conhecida, O Deus crucificado (1972), assevera que, “um Deus incapaz de sofrer é também incapaz de amar”. A tragédia de Auschwitz e o extermínio de judeus fazem o filósofo Emmanuel Lévinas perguntar: “Como falar de Deus depois de Auschwitz?” Ao que Moltmann responde, com outra pergunta: “De quê, então, é para falar depois de Auschwitz, senão de Deus?”. Sua cristologia lembra que a maioria das pessoas são vítimas e não opressoras, portanto, deve-se vivenciar uma cristologia que proclame enfaticamente que Jesus está ao lado das vítmas e que Deus fará justiça. Em sua eclesiologia e pneumatologia, presente também na sua obra A Igreja no poder do Espírito (1975), ele afirma que: “A Igreja deve estar aberta a Deus, aos homens e ao futuro, tanto de Deus quanto dos homens (...) isso pede da Igreja não uma simples adaptação às rápidas mudanças sociais, mas uma renovação interior pelo Espírito de Cristo”.[3]

Estas intuições de Moltmann nos desafiam a exercitarmos uma teologia conseqüente, responsável com o mundo em que vivermos uma teologia que assuma as vicissitudes humanas e isto em conexão com o organismo vivo que é a terra. “Devemos abrir os olhos para orar, sem esquecer de vigiar”, estar atentos aos sinais dos tempos, de buscar uma participação efetiva, de reconhecer a ação do Espírito de Deus no mundo, onde novos espaços de fraternidade e liberdade florescem, onde correm rios de justiça, em meio à sequidão das desertificações produzidas pelo o pecado humano. Seguindo Johann Baptist Metz (1980), afirmamos:

“A intenção e tarefa de toda a teologia cristã poder-se-iam definir como apologia de uma esperança. (...) Daquela esperança solidária no Deus dos vivos e dos mortos, que chama todos os homens ao ser-sujeito na sua presença. Não se trata da luta entre idéias e concepções anônimas, sem sujeito. Trata-se, pelo contrário, da situação histórico-social concreta de sujeitos, das suas experiências, dos seus sofrimentos e das suas contradições”. [4]

Mais uma vez, não só as vozes dos oprimidos e proscritos do mundo, abafadas pelos espinhos do etnocentrismo, da misogenia, da homofobia, do racismo, mas também deste globaritarismo, ou nas palavras de Moltmann “(...) Nesta globalização sem globo, ou seja, a Terra sem voz. Precisamos de uma nova política da terra, uma nova economia da terra, isto é, uma nova ligação com o organismo vivo que a Terra representa”. [5]
Vivemos a experiência urbana, jamais vista em tempos passados, somos urbanóides, clivados pelas contradições da (des) ordem destes espaços artificiais, (des) humanizados e massificantes, onde a lógica do consumo e do capital, transforma tudo em mercadoria, coisificando a vida humana e humanizando os seus fetiches. São tempos insólitos e líquidos, onde os vínculos e as identidades serpenteiam nas negociações cotidianas, nem sempre fluidas. É nesta caosmose, nesta polifonia de vozes que clamam, em busca ou não de perspectivas, nestes estreitos espaços, clandestinos espaços que nos ocorre, onde devemos assumir a urgência da hora, e se pôr neste redemoinho, movidos por uma fé diaspórica, entre exílios e a esperança, ou como desde 1950 nos lembrava, Richard Shaul (1987), “devemos estar onde a vida está sendo decidida” no meio do furacão (grifo nosso).

São as contribuições teológicas das teologias emergentes da década de 70 do século passado, nos desafiando a pensar as categorias de classe, de gênero e de etnia, e, hoje, as categorias da corporeidade, sexualidade e ecologia; bem como as não menos importantes, contribuições da Fraternidade Teológica Latina americana e seus congressos, muito antes de Lausane 1974, apontando para um engajamento sócio-político da missão, em resposta ao contexto de ditaduras presentes naquele momento, que, ambas são heranças traditadas e relidas em nosso meio, às vezes radicalizando-se, e, mais das vezes, diluindo-se nas intempéries dos tempos, são estes, marcos fundantes, a serem apropriados de forma crítica, criativa e cuidante, na prática e vida dos cristãos de agora.

As fronteiras do diálogo inter-religioso, as relações ecumênicas, a teologia das religiões, a afirmação do campo das ciências das religiões, são portas que se abrem mais e mais, para o pensar teológico profícuo nestes tempos. Uma teologia pública que se faz hoje deve de perto assumir estes aportes, não só como episteme, mas como agenda.
Aqui me arrisco ir terminando com os versos de um anônimo poeta errante:

Inté os riacho secou, e os caminhos, as pegadas não deixou
é nestas terras estranhas, onde as catedrais se demoronô,
que aqui vou parmiando,na minha dor,
tentando achar, uns cacos pequenos
nestes labirintos de pedras selvagens,
construir abrigos teimosos,
para esconder nossas existências, de incertas paisagens e passagens.

E ai seu moço, quem me ouve nesta cidade?...
[1] Professor do STBNE e da FBB na Bahia, Mestrando em História pela UEFS;
[2] Entrevista concedida à revista Cristianismo Hoje, dezembro2008/janeiro 2009, p.35.
[3] Idem, p.35
[4] METZ, Johann Baptist – A fé em história e sociedade. São Paulo: Ed. Paulinas, 1980, p.09.
[5] Cristianismo Hoje, p. 35

Teologia nas Encruzilhadas

Teologia nas encruzilhadas: início de conversa para uma teologia líquida e sua redundância.

Jorge Nery[1]

Teologia é encontro e diálogo, arrebatamento do mistério, ai, onde a gente fica parado, suspenso entre o tudo e o nada,sem saber o caminho, na angústia, em busca de distração, aliás o filósofo Blaise Pascal, já anotava esta angústia humana, demasiada humana.
Nada é tão insuportável ao homem quanto estar em pleno repouso, sem paixões, sem negócios, sem divertimentos, sem atividades. Ele então sente seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência, seu vazio. Imediatamente sairá do fundo de sua alma a angústia, o negrume, a tristeza, a aflição, o despeito, o desespero. (PASCAL, 1999)[2]

Entre caminhos, deixado ai, feito cão sem dono, como nos versos de Drumonnd... E agora, José? Qual bicho do mato... Guimarães Rosa lembra que é nas encruzilhadas que Ele, aquele do qual não se pode dizer o nome, se apresenta... Gilberto Gil , diz, que pra se falar com Deus é mister calar a voz. Quem se arrisca e se atreve a falar do mistério, devia tomar cuidado com versos, mexer com o silêncio é por demais incerto, e o que daí surgir, pode deixar a alma mais inquieta. Mas quem disse que ela, não vai ousar transgredir, comer do fruto, fruir e fluir? Ela nos fez assim, sem medo de ir além, nos jogou pra fora do paraíso, nos desafiou a autopoiéses, caminhos abertos e entrecruzados, sem sinalizações, mas prenhe de significados e de vida. Aqui nos desterros e descambados terrenos, íngremes e dificultosos, neles traçamos nossa caminhada e neles experimentamos as epifanias do sagrado, descendo os vales e se aventurando nos abismos, nos jogamos neles numa espiral de ventanias. Achegamos-nos aos caminheiros e peregrinos, ouvimos suas prosas e poesias, e com eles cantamos rimas de esperança, despojados de pertences, mais sedentos de sabenças. Continuando a viagem, nos deparamos com um rio, e ai como que seduzidos pela transgressão das fronteiras, seguimos em canoa, pela terceira margem[3], trilha insólita e líquida, como estes tempos – tempus fúgitus e tempus líquidus. Teologia se faz, nos entremeios, nos interstícios, e hoje, mais ainda, ela se faz liquefazendo-se.
[1] Professor no STBNE, na FBB e membro do CEPESC e associado ao Portal da Vida. Mestrando em História pela UEFS.
[2] PASCAL, Blaise – Os pensamentos in: Pensadores. São Paulo: Nova Cultural Ltda., 1999.
[3] Conto de Guimarães Rosa